Arabistas
Hoje de manhã, tomando banho, prometi a mim mesmo: não vou ser cafona. Nada de post de despedida. Nada de melancolia. Nada de poesia. Talvez um relato sóbrio, maduro e equilibrado sobre este que é o meu último dia no Marrocos.
Saí do banho, sequei o cabelo, fiz ioga e fui comprar badulaques com meu amigo cazaque Alisher. Cozinhamos macarrão com carne e arrumei minha mala. O quarto já está vazio, sem as coisas do meu roomate geórgio Levan, que a esta altura já está quase em sua terra natal.
Minha sobriedade ficou estirada nas formações rochosas de Sable d'Or, onde equilibramos cadeiras de plástico para fumar narguilé, ouvir o mar e conversar em árabe com um jovem desconhecido que se sentou com a gente e se pôs a tagarelar.
A maturidade eu larguei nos jardins da escola Qalam wa Lawh, onde passei minhas semanas marroquinas com a fuça enfiada em paradigmas verbais do árabe. Faala, faaala, afala, tafaala, iftaala, istafaala...
Deixei um pouquinho da dignidade dentro de um copo de chá de hortelã, pelando de tão quente, com as folhas boiando na água açucarada.
Ficou minha calma em uma Jerusalém de poliéster que visitei em Ouarzazate, no deserto, depois de cruzar as montanhas do Atlas. Mais ao leste, em Taza, me sentei no Portão do Vento e explorei o ventre da terra nas cavernas de Frouiato.
Caminhei pelo lado de fora de Fez, com o amigo Alex. Depois, caminhei pelo lado de dentro com as amigas Gabi e Aliki. Comprei um moletom tradicional pra me cobrir do frio que chegou de repente.
Mas eu já havia aberto mão de toda a serenidade quando conheci os amigos Alisher e Levan, com quem morei nos últimos meses, cozinhando variações do mesmo tema (macarrão, arroz, carne) e escalando ruínas marroquinas.
Antes deles, dividi o quarto com o holandês Martin, que me acompanhou na digressão espiritual de Alcácer Quibir, em uma das primeiras aventuras neste país em que me tornei um sebastianista irredutível.
Aprendi a conjugar verbo, mas aprendi também a saudar o Sol enquanto praticava ioga --larguei minha calma nas muralhas de Essaouira, enquanto me alongava ao som do canto dos Albatrozes.
Dei nome a gatos, corri na chuva e me esqueci de quase tudo.
Amanhã embarco para o Brasil. Deixei minha cidade natal, São Paulo, como aluno de árabe básico. Volto como estudante avançado --com mil outras expectativas e, falando em expectativa, na expectativa de me readaptar ao que já chamei de rotina.
Para isso, deixo outra rotina para trás.
Tento não dar vazão à tristeza de saber que vou descer, pela última vez, os degraus do meu prédio.
Mantenho a vista fixa atravessando a janela do quarto, enquanto escrevo este relato. Vejo o Sol se pôr, e me lembro que ele é a razão do título deste blog. Essa foi minha aventura pelas terras do Poente, a quem em árabe chamamos de al-Maghrib (ou Marrocos)
É triste que tenha acabado. Mas sei que, em algum lugar, o Sol vai se levantar de novo.
Vou estar por lá.
Meredith
Estudando no jardim
Chá de hortelã no café da Kasbah de Rabat
A falsa Jerusalém
Aventura na caverna
Do lado de fora de Fez
Amigos em Chella (Alisher, Levan)
Iogue em Essaouira
Martin e um amigo marroquino em Moulay Idriss
Arco triunfal em Volubilis
Olhar de gato
Na praia